O menino que escrevia versos
De que vale ter voz
Se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
Se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Versos do menino que fazia versos)
- Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
- Há antecedentes na família?
- Desculpe, doutor?
…………………………………………………………………………………………….
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para a escola do miúdo da escola. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
- São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia de tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias.
…………………………………………………………………………………………….
D. Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, que ele fosse examinado.
……………………………………………………………………………………………..
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado de clínico se dirigiu ao menino:
- Dói-te alguma coisa?
- Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está a ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo.
- E o que fazes quando te assaltam essas dores?
- O que sei fazer, excelência.
- E o que é?
- É sonhar…
COUTO, Mia – O fio das missangas (pag.133-137) . Lisboa: Caminho, 2004
De que vale ter voz
Se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
Se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Versos do menino que fazia versos)
- Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
- Há antecedentes na família?
- Desculpe, doutor?
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Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para a escola do miúdo da escola. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
- São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia de tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias.
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D. Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, que ele fosse examinado.
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Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado de clínico se dirigiu ao menino:
- Dói-te alguma coisa?
- Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está a ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo.
- E o que fazes quando te assaltam essas dores?
- O que sei fazer, excelência.
- E o que é?
- É sonhar…
COUTO, Mia – O fio das missangas (pag.133-137) . Lisboa: Caminho, 2004
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