Durante este Verão tenho sido um pouco anárquica em relação a leituras. Defini um plano de leituras no início do Verão mas não cumpri e alterei-o várias vezes. Claro que sempre fui lendo, mas um pouco ao sabor do momento
Entre as leituras que fiz encontra-se um conjunto de dois livros, já comprados há algum tempo. Ambos são crónicas de viagem de estrangeiros que estiveram em Portugal com uma diferença de cerca de cem anos
A Corte e o País nos anos de 1765 a 1767. Trata-se de um livro de Giuseppe Gorani. Gorani foi um fidalgo, mi,itar e escritor or5iginário de Milão. Esteve em Portugal durante o consulado do Marquês de Pombal
Uma visita em Portugal em 1866 é uma crónica de viagem escrita pelo escritor dinamarquês Hans Christian Andersen. Andersen deslocou-se a Portugal em visita, a convite de amigos portugueses.
terça-feira, 25 de setembro de 2007
segunda-feira, 3 de setembro de 2007
Regresso ao poema da semana
para te manteres vivo - todas as manhãs
arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e
o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe o brilho
regas o coração e o grande feto verde-granulado
deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio - uma terra
necessitada de águas de sons afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento
passa um bando de andorinhas rente à janela
sobrevooam o rosto que surge do mar - crepúsculo
donde se soltaram as abelhas incompreensíveis
damemória
que se enforcam com a corda de noctilucos
luzeiros marinhos sobre a pele - peixes
estendida nesta mudança de estação
de “Horto de incêndio”
Al Berto
domingo, 17 de junho de 2007
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
(de 11 a 15/ 06/07)
Fins de Junho
Sinto-me olhada a furto.
Olham-me,
espiam-me
com modo céptico
e meio terno.
Entra em mim,
toma-me inteira
um estranho retraimento,
desdém,
ou indiferença.
A minha vontade é de fugir,
de me libertar
de me recuperar…
Depois, fora,
oprimida
e entristecida,
desejo reconstruir,
sem saber bem como,
o fio trémulo da vida…
Desejo sentir-me apreciada,
enobrecida!
Irene Lisboa
sexta-feira, 15 de junho de 2007
Projecto de vida...
"Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento da ideias, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida suficientemente lenta para estar sempre à beira do tédio, bastante meditada para se nunca encontrar nele. Viver essa vida longe das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções e na emoção dos pensamentos".
Fernando Pessoa,Livro do Desassossego
segunda-feira, 11 de junho de 2007
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
(04/ 06 a 08/06/2007)
QUE O TEU CORPO
Mais que o teu corpo quero o teu pudor
quero o destino e a alma e quero a estrela
e quero o teu prazer e a tua dor
o crepúsculo e a aurora e a caravela
para o amor que fica além do amor.
A alegria e o desastre e o não sei quê
de que fala Camões e é como a água
que dos dedos se escapa e só se vê
quando o prazer se torna quase mágoa.
Estar em ti como quem de si se parte
e assim se entrega e dando não se dá
quero perder-me em ti e quero achar-te
como num corpo o corpo que não há.
Manuel Alegre
QUE O TEU CORPO
Mais que o teu corpo quero o teu pudor
quero o destino e a alma e quero a estrela
e quero o teu prazer e a tua dor
o crepúsculo e a aurora e a caravela
para o amor que fica além do amor.
A alegria e o desastre e o não sei quê
de que fala Camões e é como a água
que dos dedos se escapa e só se vê
quando o prazer se torna quase mágoa.
Estar em ti como quem de si se parte
e assim se entrega e dando não se dá
quero perder-me em ti e quero achar-te
como num corpo o corpo que não há.
Manuel Alegre
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
quarta-feira, 6 de junho de 2007
A beleza da flor
“Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às cousas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe
Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das cousas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ser o visível
Alberto Caeiro
11-3-1914
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às cousas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe
Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das cousas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ser o visível
Alberto Caeiro
11-3-1914
segunda-feira, 14 de maio de 2007
Participação - o longe se faz perto
LIVROS DE COMER
“nem só de pão vive o homem”
A gastronomia está presente em vários tipos de obras literárias. Depois de ser uma necessidade de sobrevivência é também um prazer que, como todos os outros pode tornar-se excessivo mas pode também ser requintado.
A gastronomia está presente em vários tipos de obras literárias. Depois de ser uma necessidade de sobrevivência é também um prazer que, como todos os outros pode tornar-se excessivo mas pode também ser requintado.
Conhecem-se tratados de gastronomia pelo menos desde a época clássica. No Renascimento este tipo de literatura desenvolve-se. É nesta época que vamos encontrar o “Codex Romanoff”muito provavelmente da autoria de Leonardo da Vinci.
Este códice deu origem ao livro”Notas de cozinha de Leonardo da Vinci.” Estava-se no que hoje é a Itália, em finais do século XV. O génio multifacetado de Leonardo da Vinci também se interessa pela gastronomia e por tudo o que ela envolve desde os utensílios, aos ingredientes, aos hábitos alimentares e costumes à mesa.
Neste livro as receitas aparecem de uma forma pouco ordenada e entrecortadas por considerações variadas:
Neste livro as receitas aparecem de uma forma pouco ordenada e entrecortadas por considerações variadas:
Podemos ainda vislumbrar outros interesses através dos títulos de alguns capítulos tais como:
“De uma alternativa às toalhas sujas”
“Da correcta arrumação dos convidados doentes á mesa”
"Das máquinas que ainda hei-de desenhar para as minhas cozinhas”
“Das vantagens de uma dieta moderada”
De como lidar na cozinha com as moscas pestilentas”
“Das condutas indecorosas à mesa do meu senhor”
“Das propriedades medicinais de algumas ervas”
“da maneira correcta de sentar um assassino à mesa”
Etc.
A Literatura e a gastronomia
Os livros policiais
Os livros policiais
Um dos autores policiais que mais se refere á gastronomia é, sem dúvida Manuel Vasquez Montalbán cujo detective Pepe Carvalho é um amante da boa mesa onde quer que se encontre.
Rex Stout criador do detective Nero Wolf fez dele uma personalidade forte que além de decifrar crimes se entregava à criação de orquídeas e à fruição de requintadas refeições.
Aghata Christie não deixa de descever os famosos english teas especialmente quando a detective encarna a personagem de Miss Marple.
Georges Simenon faz do seu Maigret um apreciador dos bons pratos franceses quer quando os consome emcasa fruto dos méritos de Mme Maigret ou quando frequenta a “Brasserie Dauphine”.
Romances
Muitos escritores referenciam nos seus livros pratos culinários de uma forma mais ou menos pormenorizada.
Romances em que a gastronomia tem um papel fundamental
quinta-feira, 10 de maio de 2007
Convite à leitura e à discussão
CHÁ COM LIVROS
"Livros de Comer”
15 de Maio às 17h
Biblioteca da Escola Secundária Mouzinho da Silveira
Portalegre
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
domingo, 6 de maio de 2007
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
30/04 a 04/ 05/ 2007
MÃE
Agradeço teu colo generoso
O Sim que deste ao Criador
Minha vida, fruto saboroso
Como saboroso é o teu Amor
Teu sorriso, força e Carinho
São berço de paz e Confiança
Recebi de teus lábios com geitinho
O convite atraente da esperança
Em teu Rosto achei Nobreza
Nos teus olhos fala o Coração
Deixa-me de herança a Certeza
Ser igual a ti, ter a tua condição.
Graciosa /2005
sexta-feira, 27 de abril de 2007
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
(23/ 04 a 27/04/ 2007)
O VELHO ABUTRE
O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas
O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas
Sophia de Mello Breyner Andersen
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
(16/04 a 20/04/ 2007)
DEPOIS DA VIDA
Quando o meu coração, parar desfeito,
Em sombra, na profunda sepultura;
E o meu corpo, espectral e já perfeito,
Divagar entre o Olimpo e a terra dura;
Quando sentir, enfim, todo o meu peito
A converter-se em luminosa altura;
Eu, aquele fantasma, o claro eleito,
O enviado da vida à morte escura;
Ah, quando, em mim, eu for minha esperança!
Meu próprio ser, divino e redimido;
E a minha sombra apenas for lembrança,
Bem longe, em outro mundo transcendente,
À luz dum sol jamais anoitecido,
Serei contigo, amor, eternamente.
Teixeira de Pascoais (1878-1952)
quinta-feira, 12 de abril de 2007
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
Bandeira Alegre
Vou fincar, içada ao alto
como qualquer bandeira,
vou fincar aqui na praia,
minha alegria verdadeira.
Agite a Brisa as suas cores.
Dê-lhes o Sol mais vida ainda.
Não se conheça nestes arredores
outra bandeira tão linda.
Pode haver vendavais, ciclones, fúrias de águas
que a praia deixem combalida:
salva, mais alta do que as ondas, a bandeira.
Sebastião da Gama (19-10-1946)
como qualquer bandeira,
vou fincar aqui na praia,
minha alegria verdadeira.
Agite a Brisa as suas cores.
Dê-lhes o Sol mais vida ainda.
Não se conheça nestes arredores
outra bandeira tão linda.
Pode haver vendavais, ciclones, fúrias de águas
que a praia deixem combalida:
salva, mais alta do que as ondas, a bandeira.
Sebastião da Gama (19-10-1946)
sexta-feira, 23 de março de 2007
Poema da semana - Biblllioteca da ESMS
(19/03 a 23/ 03/ 2007 )
O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.
Pedro Tamen
sexta-feira, 16 de março de 2007
António Lobo Antunes - a obra
.
Sobre a obra de António Lobo Antunes
A sua escrita nem sempre é fácil mas é colorida, forte e aliciante. Os livros deste escritor são entusiasmantes. O que mais admiro no autor é a capacidade que tem de pintar verdadeiros frescos de Portugal e dos portugueses. Os seus medos, os seus vícios, os seus desejos, as suas vitórias, afinal aquilo que somos. E tudo surge bem estruturado, parco em palavras mas de forma a que todas elas tenham um papel único e essencial. Pelos seus escritos perpassa um humor por vezes corrosivo, uma ironia que nos faz sorrir, rir e que também nos angustia.
A sua escrita nem sempre é fácil mas é colorida, forte e aliciante. Os livros deste escritor são entusiasmantes. O que mais admiro no autor é a capacidade que tem de pintar verdadeiros frescos de Portugal e dos portugueses. Os seus medos, os seus vícios, os seus desejos, as suas vitórias, afinal aquilo que somos. E tudo surge bem estruturado, parco em palavras mas de forma a que todas elas tenham um papel único e essencial. Pelos seus escritos perpassa um humor por vezes corrosivo, uma ironia que nos faz sorrir, rir e que também nos angustia.
“Quando chegámos de Trás-os-Montes o senhor doutor arranjou espaço no celeiro para nós, mandou colocar um tabique a separar-nos do milho, atamancámos um tecto para nos proteger dos morcegos que andam por aí a falar com voz de gente, pusemos o fogão a um canto, aproveitámos a pia da adega para as necessidade e lembro-me que no verão acordava no escuro e escutava as rãs do pântano, a insónia dos cães e o desassossego dos bezerros, o meu pai a ressonar o mesmo barulho que o moinho, via o candeeiro do doutor aceso no escritório, as laranjas brilhavam na paz de Agosto ardendo devagarinho como as lamparinas dos santos, e sentia-me bem, sentia-me eterna, sentia-me feliz dado que o tempo parecia parado para sempre e que ninguém ia morrer. De manhã as laranjas apagavam-se, o tractor começava a trabalhar…”
ANTUNES, António Lobo – O Manual dos Inquisidores: Publicações Dom Quixoter. Lxa., 1996
ANTUNES, António Lobo – O Manual dos Inquisidores: Publicações Dom Quixoter. Lxa., 1996
quinta-feira, 15 de março de 2007
Poema da semana.- Biblioteca ESMS
quarta-feira, 14 de março de 2007
Prémio Camões
terça-feira, 13 de março de 2007
Bibliotecas Escolares
Para o ano lectivo de 2007/2008
09.03.2007 - 13h43 Lusa
Esta notícia que veio a lume no Público de 10/3 veio criar um pouco de esprança no panorama das bibliotecas escolares. É prematuro no entanto tirar muitas conclusões. Em abstracto pode considerar-se uma medida positiva mas não deixa de provocar um grande número de questões.
Será que finalmente o Governo por meio do Ministério da Educação tomou consciência de que o grande problema do ensino em Portugal reside na iliteracia, e que esta só será combatida com acções concertadas que incentivem à leitura e promovam a compreensão da mesma?
Será que para além dos coordenadores de biblioteca a tempo inteiro há espaço para os outros elementos da equipa?
Será que se vai proceder a uma formação especializada, actualizada e contínua dos elementos da equipa da biblioteca?
Será que a Biblioteca passará a estar “obrigatoriamente” representada no Conselho Pedagógico?
Será que os Conselhos Executivos vão tomar consciência da importância da Biblioteca na escola?
Será que a Biblioteca passará a ter um orçamento próprio?
Estas são algumas questões em que eu gostava que os responsáveis do Ministério se detivessem antes de legislarem.
Esta notícia que veio a lume no Público de 10/3 veio criar um pouco de esprança no panorama das bibliotecas escolares. É prematuro no entanto tirar muitas conclusões. Em abstracto pode considerar-se uma medida positiva mas não deixa de provocar um grande número de questões.
Será que finalmente o Governo por meio do Ministério da Educação tomou consciência de que o grande problema do ensino em Portugal reside na iliteracia, e que esta só será combatida com acções concertadas que incentivem à leitura e promovam a compreensão da mesma?
Será que para além dos coordenadores de biblioteca a tempo inteiro há espaço para os outros elementos da equipa?
Será que se vai proceder a uma formação especializada, actualizada e contínua dos elementos da equipa da biblioteca?
Será que a Biblioteca passará a estar “obrigatoriamente” representada no Conselho Pedagógico?
Será que os Conselhos Executivos vão tomar consciência da importância da Biblioteca na escola?
Será que a Biblioteca passará a ter um orçamento próprio?
Estas são algumas questões em que eu gostava que os responsáveis do Ministério se detivessem antes de legislarem.
quinta-feira, 8 de março de 2007
Os Direitos Inalienáveis do Leitor
1
O Direito de Não Ler
2
O Direito de Saltar Páginas
3
O Direito de Não Acabar Um Livro
4
O Direito de Reler
5
O Direito de Ler Não Importa o Quê
6
O Direito de Amar os “Heróis” dos Romance
7
O Direito de Ler Não Importa Onde
8
O Direito de Saltar de Livro em Livro
9
O Direito de Ler em Voz Alta
10
O Direito de Não Falar do Que se Leu
Daniel Pennac
1
O Direito de Não Ler
2
O Direito de Saltar Páginas
3
O Direito de Não Acabar Um Livro
4
O Direito de Reler
5
O Direito de Ler Não Importa o Quê
6
O Direito de Amar os “Heróis” dos Romance
7
O Direito de Ler Não Importa Onde
8
O Direito de Saltar de Livro em Livro
9
O Direito de Ler em Voz Alta
10
O Direito de Não Falar do Que se Leu
Daniel Pennac
quarta-feira, 7 de março de 2007
Gabriel Garcia Marquez
(nos 80 anos de Gabriel Garcia Marquez)
"Santiago Nasar enfiou umas calças e uma camisa de linho branco, ambas por engomar, iguais às que vestira no dia anterior para o casamento. Era roupa janota. …………………………………………………………………………………………….
Quando saía ao monte levava à cintura um 357 Magnum, cujas balas blindadas, segundo dizia, podiam rachar um cavalo ao meio. No tempo das perdizes levava também os apetrechos da falcoaria. No armário tinha além disso uma espingarda 300 Holland Magnum, uma Hornet com mira telescópia de dois comandos, e uma Winchester de repetição. Dormia sempre como dormiu o pai, com arma escondida na fronha do travesseiro, mas antes de sair de casa naquele dia retirou os projécteis e pô-los na gaveta da mesinha-de-cabeceira. “Nunca a deixava carregada”, disse-me a mãe. Eu sabia disso, e sabia também que ele guardava as armas num sítio e escondia as munições noutro sítio bastante afastado, para que ninguém cedesse nem por acaso à tentação de carregá-las dentro de casa. Era um costume sábio imposto pelo pai desde a manhã em que uma criada sacudiu o travesseiro para tirar a fronha, e a pistola disparou-se ao embater no chão, e a bala escaqueirou o armário do quarto, atravessou a parede da sala, passou com um estrondo de guerra pela sala de jantar da casa vizinha e converteu em pó de gesso um santo em tamanho natural no altar-mor da igreja, do outro lado da praça. Santiago nasar, então menino, não esqueceu nunca a lição daquele percalço."..
Quando saía ao monte levava à cintura um 357 Magnum, cujas balas blindadas, segundo dizia, podiam rachar um cavalo ao meio. No tempo das perdizes levava também os apetrechos da falcoaria. No armário tinha além disso uma espingarda 300 Holland Magnum, uma Hornet com mira telescópia de dois comandos, e uma Winchester de repetição. Dormia sempre como dormiu o pai, com arma escondida na fronha do travesseiro, mas antes de sair de casa naquele dia retirou os projécteis e pô-los na gaveta da mesinha-de-cabeceira. “Nunca a deixava carregada”, disse-me a mãe. Eu sabia disso, e sabia também que ele guardava as armas num sítio e escondia as munições noutro sítio bastante afastado, para que ninguém cedesse nem por acaso à tentação de carregá-las dentro de casa. Era um costume sábio imposto pelo pai desde a manhã em que uma criada sacudiu o travesseiro para tirar a fronha, e a pistola disparou-se ao embater no chão, e a bala escaqueirou o armário do quarto, atravessou a parede da sala, passou com um estrondo de guerra pela sala de jantar da casa vizinha e converteu em pó de gesso um santo em tamanho natural no altar-mor da igreja, do outro lado da praça. Santiago nasar, então menino, não esqueceu nunca a lição daquele percalço."..
MARQUEZ, Gabriel Garcia – Crónica de uma morte anunciada.Lisboa;Edições O Jornal (pags 9,10)
segunda-feira, 5 de março de 2007
Sugestão de leitura (Março)
MASON, Daniel - O afinador de pianos
Edgar Drake, um jovem afinador de pianos, é enviado, no final do século XIX, pelo Ministério da Guerra britânico, para a selva da Birmânia, onde um raro piano necessita de afinação. O instrumento pertence a um oficial cujos métodos pacificadores pouco ortodoxos – poesia, medicina e música – trouxeram uma acalmia à região, mas suscitaram reservas por parte dos seus superiores. Na sua viagem através de um mundo até aí totalmente desconhecido, Edgar conhece soldados, místicos, bandidos, contadores de histórias… e uma mulher tão fascinante e enigmática como o próprio major médico em cujo forte, num remoto rio birmanês, vai encontrar uma realidade mais misteriosa e perigosa do que alguma vez poderia imaginar
domingo, 4 de março de 2007
Ainda o conto
O menino que escrevia versos
De que vale ter voz
Se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
Se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Versos do menino que fazia versos)
- Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
- Há antecedentes na família?
- Desculpe, doutor?
…………………………………………………………………………………………….
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para a escola do miúdo da escola. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
- São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia de tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias.
…………………………………………………………………………………………….
D. Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, que ele fosse examinado.
……………………………………………………………………………………………..
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado de clínico se dirigiu ao menino:
- Dói-te alguma coisa?
- Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está a ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo.
- E o que fazes quando te assaltam essas dores?
- O que sei fazer, excelência.
- E o que é?
- É sonhar…
COUTO, Mia – O fio das missangas (pag.133-137) . Lisboa: Caminho, 2004
De que vale ter voz
Se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
Se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Versos do menino que fazia versos)
- Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
- Há antecedentes na família?
- Desculpe, doutor?
…………………………………………………………………………………………….
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para a escola do miúdo da escola. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
- São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia de tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias.
…………………………………………………………………………………………….
D. Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, que ele fosse examinado.
……………………………………………………………………………………………..
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado de clínico se dirigiu ao menino:
- Dói-te alguma coisa?
- Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está a ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo.
- E o que fazes quando te assaltam essas dores?
- O que sei fazer, excelência.
- E o que é?
- É sonhar…
COUTO, Mia – O fio das missangas (pag.133-137) . Lisboa: Caminho, 2004
sexta-feira, 2 de março de 2007
Sugestões de leitura - o conto
Um conto
O fresco
Chamavam-lhe o Enjeitado, mas não era alcunha. Era mesmo do nome, quere-se dizer, dele. Havia lá na aldeia um velho que era uma espécie de memória colectiva. De modo que sabia tudo de tudo. E quando ele lá apareceu, explicou. O bisavô ou o pai dele, quer era portanto o trisavô, fora mesmo um exposto da misericórdia da vila. E então esse tal trisavô ou o filho dele, como toda a gente lhe chamava assim adoptou o nome para acabar com alcunha.
…………………………………………………………………………………………….
O nome dele era Roberto Enjeitado Feliz. Chamavam-lhe Senhor Roberto, que também não era um primor. Do pai ou do avô tinha-lhe vindo uma casa, já fora da aldeia. Mas passavam-se anos que ninguém a vinha habitar.
…………………………………………………………………………………………….
Até que um dia veio ele.
……………………………………………………………………………………………
Como era novo na aldeia, as pessoas andavam inquietas, à espera que se desse ao convívio para tudo ser normal e corriqueiro. Mas não…
Este conto faz parte do livro Uma esplanada sobre o mar de Vergílio Ferreira
…………………………………………………………………………………………….
O nome dele era Roberto Enjeitado Feliz. Chamavam-lhe Senhor Roberto, que também não era um primor. Do pai ou do avô tinha-lhe vindo uma casa, já fora da aldeia. Mas passavam-se anos que ninguém a vinha habitar.
…………………………………………………………………………………………….
Até que um dia veio ele.
……………………………………………………………………………………………
Como era novo na aldeia, as pessoas andavam inquietas, à espera que se desse ao convívio para tudo ser normal e corriqueiro. Mas não…
Este conto faz parte do livro Uma esplanada sobre o mar de Vergílio Ferreira
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